Perguntas e respostas

Uma gestão correta dos resíduos urbanos deve privilegiar a prevenção (reduzir), a reutilização (reutilizar) e reciclagem (reciclar) dos resíduos. Porém, todos os sistemas, mesmo os mais evoluídos do mundo, têm uma parte dos resíduos que não são recicláveis com qualidade. É essa parte que deve ser valorizada energeticamente e não enviada para aterro. Em Portugal, ainda em 2017 depositou-se em aterro mais de 50% dos seus resíduos urbanos, direta ou indiretamente, com grande desperdício de recursos. Esses resíduos devem ser valorizados, produzindo energia, reduzindo o seu volume e reciclando as suas escórias. Do mesmo modo, os refugos e rejeitados de outras operações de tratamento de resíduos, não recicláveis, devem ser valorizado através do seu aproveitamento energético.

A experiência internacional mostra com clareza que os países europeus com maiores taxas de reciclagem (Países Nórdicos, Áustria, Bélgica, Alemanha, Holanda, Suécia, entre outros) são também os que têm maiores taxas de valorização energética. Nesses países a fração de resíduos depositados em aterro é residual. Em contrapartida, os países sem valorização energética possuem taxas de envio para aterro muito grandes. A experiência evidencia que a sustentabilidade na gestão de resíduos se obtem com uma combinação virtuosa da reciclagem de qualidade com a valorização energética das componentes não recicláveis.

Há muitos artigos do dia-a-dia que não são reciclaveis. Cerca de 26% dos resíduos urbanos não podem ser reciclados ainda que reciclássemos tudo o que fosse tecnicamente possível. Atualmente, em Portugal, nem a 1/3 dessa meta chegámos! O tratamento dos resíduos por outros processos, nomeadamente a triagem e a preparação para reciclagem também gera rejeitados, que podem atingir 20% dos resíduos tratados por esses processos, que devem ser valorizados. Isto significa que, mesmo num cenário ideal, de que Portugal está muito distante, 35 a 40% dos resíduos – 1,5 a 1,8 milhões de toneladas por ano em Portugal - não podem ser reciclados com qualidade. São estes resíduos que deverão ser valorizados energeticamente.

Qualquer sistema de tratamento de resíduos necessita de processos de eliminação dos poluentes que se acumulam nos resíduos. A reciclagem, por exemplo, não tem essa capacidade: os poluentes existentes nos resíduos (tintas e outros contaminantes) são geralmente reintroduzidos na cadeia produtiva com os materiais reciclados. Por isso, a valorização energética de resíduos desempenha o papel fundamental de depuração das cadeias de materiais: quando atingem os seu limite de reciclabilidade, os materiais devem ser eliminados de forma segura para a sociedade, através da valorização energética. As instalações de valorização energética possuem, por imposição legal, sistemas de tratamento para a totalidade dos gases produzidos no tratamento térmico das substâncias que compõem os resíduos, que são os mais sofisticados de toda a indústria. As substâncias resultantes das escórias sólidas contêm uma significativa fração de metais que são enviados para reciclagem. A restante fração das escórias pode ser maioritariamente utilizada em diversas aplicações comuns, como sub-base de estradas, cobertura de aterros ou fabricação de materiais de construção, dando-lhes uma segunda vida.

Existem hoje unidades de valorização energética de resíduos por incineração a funcionar no centro das cidades mais exigentes do Mundo em termos ambientais, como Tóquio, Paris, Viena de Áustria, Mónaco e Copenhaga, entre outras. As normas ambientais de instalação e funcionamento destas unidades são as mais exigentes de todas as atividades industriais, entre outras razões porque se sabe que estas instalações deverão estar em condições de operar, sem risco para as populações e para o ambiente, junto ou dentro de grandes aglomerações urbanas. Os numerosos estudos epidemiológicos feitos junto de unidades de valorização energética de resíduos, mostra que os seu efeito é indetetável na saúde pública e no ambiente. Em Portugal, todas as unidades em operação respeitam estritamente as normas europeias de controlo de dioxinas e furanos (além dos outros poluentes) e são sujeitas a programas de monitorização permanente realizada por entidades terceiras.

Todas as atividades humanas têm um impacto ambiental, a valorização energética não é exceção. Até finais dos anos 60, por desconhecimento científico dos detalhes da combustão de resíduos, estes eram queimados sem os devidos sistemas de controlo ambiental. Porém, nas últimas décadas as tecnologias de queima e proteção ambiental tiveram uma evolução notável. Atualmente as modernas unidades estão obrigadas a operar em condições de controlo de combustão muito apertadas e, adicionalmente, são utilizados processos de tratamento de gases que eliminam as substâncias perigosas. Os impactes ambientais das unidades de valorização energética existentes são cuidadosamente monitorizadas por entidades independentes, incluindo avaliação dos impactos na saúde pública e no meio ambiente circundante e os resultados dessas avaliações são tornados públicos. Em 20 anos de experiência e monitorização, não se identificou qualquer impacto nocivo mesurável.

Não se deve comparar a valorização energética de resíduos diretamente com outras energias renováveis pois a produção de energia nesta caso é um sub-produto do tratamento dos resíduos. A valorização energética de resíduos é, de todas as energias renováveis, a que tem menor apoio na venda da eletricidade e representa apenas cerca de 2% do apoio à produção de eletricidade em regime especial. Por outro lado, uma vez que as empresas de tratamento de resíduos são reguladas pela ERSAR, os benefícios da venda de eletricidade são deduzidos na tarifa de tratamento de resíduos. Ou seja, o que os cidadãos pagam a mais na eletricidade, mesmo que diminuto, é-lhe devolvido na tarifa de tratamento de resíduos. Atualmente, em Portugal, a valorização energética de resíduos produz eletricidade maioritariamente renovável, equivalente ao consumo doméstico de 400.000 portugueses.

Os fornos de cimento estão, de facto, preparados para incinerar resíduos e as empresas cimenteiras em Portugal têm feito um esforço no sentido de utilizar combustíveis alternativos, nomeadamente resíduos. Porém as características dos resíduos urbanos (elevada humidade, baixo poder calorífico e elevado teor de cloro) tornam a sua utilização largamente inviável em fornos de cimento. Por exemplo em 2016 apenas 0,1% dos combustíveis alternativos utilizados pela indústria cimenteira nacional proveio de resíduos urbanos nacionais. Resulta claro que a valorização energética de resíduos urbanos deve ser feita em instalações de valorização energética dedicadas.

Portugal fez um enorme investimento em unidades de tratamento mecânico (TM) e de tratamento mecânico e biológico (TMB), nos últimos anos. Uma parte significativa dos resíduos urbanos são hoje encaminhados para esse tipo de instalações: em 2016, 27% dos resíduos urbanos foram encaminhados para TMB e 9% para TM. Porém o resultado é decessionante: menos de 4% dos resíduos entrados nestas instalações são retirados para reciclagem material e, apesar da pequena quantidade, esses reciclados têm má qualidade. Por outro lado, mais de um milhão de toneladas de resíduos saíram em, em 2016, dessa instalações com destino ao aterro sanitário. Além disso, as soluções de fim de linha, como é o caso dos TMB, tendem a desincentivar a aposta na separação dos resíduos no produtor (o cidadão), que é o fator mais importante para haver reciclagem de qualidade. Provou-se que os TMB não são solução. A estratégia de gestão de resíduos deve assentar na reciclagem de qualidade, baseada na separação dos resíduos na origem, combinada com a valorização energética das componentes não recicláveis com qualidade.